O momento que estamos vivendo de pandemia é inédito para a nossa geração mas já acometeu a humanidade em várias ocasiões, inclusive com gravidade maior do que a da COVID-19.
Entretanto, o momento atual tem uma particularidade: a nossa hiperconectividade, que pode ser um fator de proteção ou mesmo um agravante. Fator de proteção já que permite que a gente tenha acesso às informações sobre a doença, maneiras de prevenção e atualizações dos órgãos de saúde, coisas que a humanidade não dispunha na época da Gripe Espanhola (1918-1920), por exemplo.
Por outro lado é tóxico à medida que o tempo todo ficamos conectados a isso, quando as informações são contraditórias, e ainda quando são propagadas “fake news” com os mais variados objetivos. O resultado disso é um só: sofrimento psíquico.
Como estamos diante de um vírus novo, que ainda pouco conhecemos, nós, inclusive médicos, temos mais dúvidas do que certezas, mesmo após quase um ano de extensas investigações. No contexto de incertezas é natural que surjam opiniões, com base na experiência. E opiniões podem ser diferentes, interpretações de dados podem ser diferentes, e nesse contexto do contraditório podemos ficar com ainda mais medo, dúvidas e sem saber o que fazer.
O próprio distanciamento social, seja por estarmos distantes fisicamente das pessoas, termos de evitar contatos físicos, e mesmo a impossibilidade de ver o rosto humano, coberto por máscaras, é um fator que se soma a essa incerteza sobre nossa própria saúde, de nossos entes queridos, trabalho e futuro, agravando ainda mais o nosso sofrimento.
O nosso organismo ao longo da evolução desenvolveu um sistema que nos prepara para enfrentar ameaças, chamado de “luta ou fuga”. A partir dele, diante de uma ameaça, são liberados hormônios em nossa corrente sanguínea que aumentam os nossos batimentos cardíacos, pressão arterial, força, frequência respiratória e dilatam nossas pupilas. Acontece que no passado as ameaças eram pontuais e eram favorecidas por isso, aumentando nossa capacidade de lutar ou de fugir, se fosse o caso. Hoje, nem tanto já que muitas das ameaças que vivemos não são resolvidos “lutando” ou “fugindo”, ou ainda podemos enfrentar uma sequência de problemas que mantém esse sistema ativado continuamente.
Digo isso porque estamos enfrentando uma ameaça que não se resolve com a “luta” ou a “fuga”e a hiperconectividade nos lembra o tempo todo disso, deixando esse sistema ativo. Sintomas de palpitações, falta de ar, dificuldade para raciocinar, tensão muscular e irritabilidade podem ser consequências disso. É um estresse constante. Inclusive podendo causar alterações em nosso cérebro em regiões relacionadas a ansiedade e depressão, sendo que até transtorno de estresse pós traumático foi observado em epidemias anteriores.
Apesar disso podemos contornar essa sobrecarga a nossa saúde mental. Nesse sentido, desconectar da internet, da TV, das notícias, é difícil mas é fundamental. Manter um horário para deitar e despertar, leituras sobre outros temas, filmes, séries de TV, exercícios físicos, cozinhar, e mesmo meditação baseada em mindfulness são alternativas saudáveis às notícias sobre o coronavírus. Claro, devemos nos manter atualizados com relação às recomendações das autoridades. Mas devemos procurar manter a diversidade de atividades em nossa vida.
Como disse no início do texto, a humanidade já passou por pandemias piores do que essa. Na maioria das vezes isso impulsionou o avanço tecnológico e a humanidade saiu mais forte. Isso não vai ser diferente dessa vez.
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